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sábado, 22 de outubro de 2011

O GRANDE MENTECAPTO (e o governador Ladisbão...) - trecho -

Recebendo-o no salão nobre do Palácio com todas as honras de estilo, segundo a pantomima que seus assessores matreiramente lhe haviam recomendado, o Governador ordenou que dessem início à cerimônia. Um de seus arautos procedeu à leitura em voz alta do protocolo elaborado pelos luminares:
- O Governo da Província de Minas Gerais, na pessoa de Sua Excelência, o digníssimo Senhor Governador Geral Clarimundo Ladisbão, aqui presente (ao ser designado, o Governador fez uma discreta vênia), compromete-se neste compromisso a - Primeiro: no sentido de preservar os superiores interesses da pátria, a partir do respeito em toda a Província de Minas Gerais aos sagrados princípios que norteiam a política governamental, e a fim de proteger os interesses de cada um no proveito de todos e o proveito de todos no interesse de cada um...
- Basta - cortou vivamente Viramundo com um gesto enérgico, descartando o primeiro item.
- Vamos ao segundo.
O arauto vacilou, mas, a um gesto do Governador, obedeceu:
- Segundo: levando-se em conta a necessidade de eliminar as mazelas sociais que tanto comprometem os mais elevados foros de nossa civilização, e na firme determinação de assegurar a ordem pública...
- Basta - cortou Viramundo.
- Passemos ao terceiro.
O arauto fez um gesto de desalento, mas prosseguiu:
- Terceiro: segundo...
O mentecapto interrompeu:
- Segundo ou terceiro?
O arauto embatucou:
- Segundo...
- O segundo você já leu e não interessa. Vamos ao terceiro!
- Segundo... - gaguejou o homem, intimidado, mas afinal venceu o impasse criado:
- Terceiro! Segundo os postulados cristãos a que se subordina a tradicional família mineira, na defesa intransigente do decoro e da moralidade pública...
- Basta - ordenou o comandante Viramundo pela terceira vez, liquidando também com aquele item.
- Falta muito?
- Não, esse era o último - informou o arauto, consternado, enrolando o pergaminho.
Viramundo voltou-se para o Governador Ladisbão, que, rodeado de altas autoridades civis e militares, por sua vez rodeados de um forte corpo de segurança, aguardava o fim da cerimônia com um sorriso de mofa, e declarou solenemente, apontando o documento nas mãos do arauto:
- Saiba o Senhor Governador Geral da Província de Minas Gerais que o respeito às normas protocolares, que regem uma tentativa de armistício como esta, me impedem de dizer onde Vossa Excelência deve enfiar esse canudo.
Fazendo-lhe uma seca mesura também protocolar, virou-lhe as costas e retirou-se, seguido do seu Estado-Maior. Quando passava pela ante-sala num passo estugado, esbarrou de súbito na filha do Governador, que ia entrando:
- Eu não o conheço de alguma parte? - perguntou ela.
Sem se abalar, ele respondeu de passagem:
- Agora é tarde, Inês é morta. Sinto muito, mas chorar não posso. Deu-lhe as costas e saiu..
ú ú ú ú ú
Não é ótimo!
(Fernando Sabino – trecho de “O GRANDE MENTECAPTO)



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